domingo, 31 de agosto de 2008

5. PERSONAGENS: D. JORGETA


D.Jorgeta, senhora forte, negra, desdentada, lábios grossos, olhos esbugalhados, cabelos pixaim sempre preso com um lenço na cabeça, também não me lembro de vê-la sem vestido, sempre o mesmo, velho e florido vestido azul, surrado, velho de tanto uso, um pouco abaixo dos joelhos e muito acima de qualquer tristeza, chinelos de dedo, e uma verruga enorme no queixo são detalhes irrefutáveis de sua aparência alegre, falastrona, inigualável. Mulher pobre, vivia dos favores prestados dos amigos da rua, uma ajudinha aqui, um dinheirinho ali e ia levando como dava a vida que não lhe era fácil, mulher da favela, esperta demais para morrer de fome ou de necessidades menores que algum arranjo não pudesse dar um jeito. Acima disso, sua energia era vital, notória, vivaz, solícita à todo mundo, alegre em todo momento, adorava tomar cerveja, por isso não raro era vê-la na porta do bar, compartilhando com os homens dali, a sua invejável saúde e disposição. Alguém na comunidade do Orkut escreveu sobre ela: SEMPRE QUE ESTAVA BEBADA DIZIA: "NÃO CONFUNDA MELODIA COM PESCOLIA , NEM CAPITÃO DE GRATAVA COM CAPITÃO FRAGATA!"

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

4. PERSONAGENS: AS IRMÃS COCOROCAS


Eram duas velhinhas, baixinhas e fedorentas, viviam juntas, e devem ter morrido juntas também. Não mexiam com ninguém, mas se mexessem com elas, se a chamassem de velhas cocorocas, aí a resposta era na ponta da língua, o sujeito era xingado até a última geração, não tinha papas na língua, usavam de tudo quanto é palavrão para rebater o xingamento, te xingavam de tudo quanto era nome e essa era a graça, e todos riam ao redor. Coitadas, ninguém tinha dó. Era só avistá-la para algum engraçadinho, bem perto ou até distante, soltar a encarnação: oh, cocoroca! gritavam com a voz afetada para nãos ser reconhecido. E de onde estivessem, a fúria era extravasada: Cocoroca é a p....que o pariu!
Assim foi por muitos anos, adolescentes, crianças e adultos, não se cansavam de mexer com elas. Uma era magrinha, com o rosto fino, a outra mais fortezinha, mas ambas bem pequenas, um metro e meio, no máximo, de altura para cada uma. Outras línguas diziam que eram mãe e filha! Nunca tive certeza. Moravam num barraco maltrapilho e sujo, só sei de observar, que cuidavam uma da outra como só existissem as duas no mundo, deveriam ser sozinhas, solitárias, decerto eram...

3. PERSONAGENS: MARIA SIMPÁTICA


Outro dia estive fuçando a comunidade do Caju, nas páginas do Orkut, e achei genial a iniciativa de homenagear as pessoas mais, como direi, caricatas talvez, do bairro. Olha, foi uma delícia, comentários de todo tipo elogiando ou lembrando personagens marcantes do nosso querido bairro! Para cada personagem, uma estória saborosa, pessoas lembrando de cada um, que não fazia mais idéia! Bêbados, mendigos, malucos, enfim um amontoado de gente que de uma forma ou outra, fazia, fez e faz os nossos dias mais interessantes, vamos dizer assim. Por exemplo, vocês lembram da velha coroca? Ou do Jaime maluco? Ou até mesmo da mulher de branco que assustava a todos na porta do cemitério, mas que ninguém nunca viu?! Pois é, estão todos lá, agora eternizados na internet, pela lembrança de moradores antigos que não se vêem mais, e que agora se encontram virtualmente e relembram com nostalgia, momentos felizes, que na hora, acredito eu, não tinha magia alguma, visto que aquela era apenas a mais pura e louca realidade de todos nós,mas que agora vista de longe nos resgata a juventude de outrora.

A mais votada, na primeira parcial, foi a dona Maria Simpática, lembram dela? Senhora realmente encantadora, com seus quase dois metros de altura, ou estou exagerando? É que a sensação é de que ela era grande, será que é porque eu era pequeno?! Não sei! Só sei que me lembro dela toda assim, divertida, brincalhona, falando alto para todo mundo ouvir, pelas ruas e recintos do bairro, com ela não tinha tempo ruim, entrava onde quer que fosse gritando, brincando com todo mundo, com os velhos, com as crianças sem distinção, chamando a atenção até dos estranhos. Sua voz rouca não era empecilho para gritar do outro lado da rua na intenção de elogiar o outro ou até mesmo de ralhar com o outro, ela tinha essa coisa materna de rua. Ela tinha esse fascínio, era bondosa e meiga e ao mesmo tempo desastrosa e direta, quando tinha de baixar o barraco, não fazia cerimônia, mas era gentil o tempo todo. Dona Maria Simpática! Por isso tinha esse nome! Maria Simpática!

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

2. UM LUGAR CHAMADO CAJU


Eu sabia que seria um grande prazer, poder escrever sobre esse nosso bairro de estórias sem iguais, de vida sofrida mais igualmente divertida e instigante, de um bairro onde nasci e que me acolhe até então, pra isso lá vai mais de 40 anos, sonhando com tudo, uma vez ou outra até pensando em deixa-lo, e isso é um ponto curioso, porque honestamente, quem um dia não sequer falou ou pensou em se mudar do bairro? Mas isso é mais um desejo megalomaníaco do que propriamente uma realidade de fato, pois há dentro do habitante cajuense alguma coisa de romântico, de fraterno e de cumplicidade para com este lugar que nos deixa permanentemente ligados um ao outro, somos de algum modo, como uma grande família, por estarmos familiarizados com tudo em geral, desde as pessoas até todo e qualquer lugar, com o passado, com o presente, com a escola e com a segurança, a preocupação sobre as melhorias que irão beneficiar os nossos filhos que também aqui crescerão e muito provavelmente encontrarão suas parceiras, seu primeiro amor, e terão seus filhos e mais os amigos que se multiplicam invariavelmente, sem dizer da paz que nos é peculiar. A praça do Caju é o nosso grande quintal. A feira, os botequins, o supermercado, as datas festivas, as comunidades, seus personagens, até mesmo uma ou outra desavença, parte de um mesmo ecossistema que nos mantém acesos e coesos, são constatações de que pertencemos a um mesmo time, mesmo não nos reconhecendo, mesmo sequer nos respeitando como deveria, mas estamos todos ali, todos os dias, nos pontos de ônibus, na escola, no fila do banco, no bar, enchendo a cara e até na morte! Mesmo as pessoas que se livraram de nós e que hoje moram em bairros distantes, tenho certeza de que lembram com carinho do bairro do Caju, daqueles tempos áureos, de bailes de formatura, de futebol no Marvilles, do Grêmio, do Social e do Arsenal, da procissão de São Pedro, dos tempos da escola e do carnaval. Desde que começamos, com os barraquinhos à beira da maré, que existe morador daquele tempo, que guardam dentro de si, um amor incontestável como herança de uma vida vivida e honrosa, que passaram para os seus netos valores de outrora, uma imensidão de alegria num contexto invariável de dificuldades e superações. Assim é o CAJU, assim são os seus moradores que foram evoluindo, crescendo, desenvolvendo, criando novas condições, com novos moradores chegando, antigos dizendo adeus, mas nunca deixando de ser quem são: Orgulhosos habitantes de um lugar chamado Caju!

1. POEMA SOBRE UM CAJU

Ah, essa gente fantástica...
Que em silêncio passa e que acorda tão cedo
E se levanta até mesmo antes do sol
Que os irradiam na mágica do seu dia a dia
E que os fazem brilhar
Para uma vida muitas vezes árdua
Outras vezes sábia, muitas vezes vazia
Essa fantástica mágica de todos os dias
Que em segredo os ensinam como é belo o viver!
A existência que se propaga
Nos músculos másculos e exaustos do pescador
À aprendizagem que se busca no curso primário do menor
Nas rugas dessa gente que rejuvenesce a vida
Na vida dessas rugas que identifica o senhor
E suas batalhas e suas estórias
Encantadoras estórias que não acabam mais
Seus artistas, suas crenças, seus heróis
Todos anônimos, todos sem um futuro melhor
‘‘Mas para que futuro doutor?”
Somos a vida presente
Com todas as suas cores
Com todas as suas flores, suas dores, suas vitórias doridas
A vida latente doutor!
Que ora rir, ora se desespera
A vida que não espera
Essa gente que fracassa, não fracassa!
Se agiganta e se alegra
Essa gente que não prospera e não sai do canto
É um espanto! É um encanto! É comovente!
Essa gente tão pacata e tão valente
Faz brotar orgulho no seio, no olho da gente
Queria saber falar!
Domingo é dia de feira, segunda é dia de batente
Todos os dias são dias de viver
No Caju de D. João, no Caju do Sr. João, No Caju de São João
Tem o dia de São Pedro e procissão
A casa São Luiz para velhice e a meninice dos que nunca serão
No Caju do seu José, D. Maria, Beatrizes e Eunices
Da feira, da pesca, da padaria, Do português, do paraíba
Todos tão cariocas!
Das crianças que vão bem cedo para a escola
Das ambições e das alegrias
Das lamentações em momentos fúnebres
Caju, o teu sobrenome é um cartão postal
O cemitério mais famoso do Rio de Janeiro
Mas passando dele, a vida é um brinquedo em amizades
Você já viu os barcos, as embarcações, o cais, os guindastes
O crepúsculo na última hora da tarde?!
Mas então vêem as carretas com sua fumaça, uma tormenta!
E a nossa paciência...
Você se lembra? Você se lembra?!
São Pedro de barco tinha procissão
Barracas na rua, uma diversão!
Hoje temos a fábrica de sonhos para menores carentes
Do São Sebastião e pouca gente sabe
O museu da Comlurb, o Rock e o pagode
Nos botequins, bares, a praça com ares de baixo
Na hora das horas mais tardes
A cerveja, o vício, o trago
O futebol, os compromissos, os comentários
Ah, essa gente que não se cansa
São quatro horas da madrugada
E meu pai já está de pé para ir trabalhar...